"Preparando a morte" se chamaria a obra se descrevesse esse relato sincero. Me dispus a fumar. E refleti sobre minha segurança, tenho entrado em crise com isso. Sou muito adaptada, me desligo completamente do perigo de ser uma travesti, ignoro completamente minha opressão real (de ataques). Então, fui para cozinha (para quê, não me recordo) e ouvi a chuva. Já no corredor comecei a pensar, chorar, me sentir só. A tristeza ia crescendo, como uma bala que ia me perfurando... Estava eu, sozinha, com as portas abertas (sem a chave para trancá-las). Continuei a pensar sobre sentia falta de Guilherme. Como me sentia cada dia mais normativa, mais heterossexualizada, mais cisgêneralizada. E como a solidão já era tão intima, tão minha, tão conhecida.
A chuva continuava a soar tão bela quanto o que viria depois. Me aproximei para sentir a primeira gota. Decidi que tomaria essa chuva pelada. Então, me despi. Fiquei nua e caminhei até aquelas gotas que caiam num ritmo que me excitava.
"Como era bom estar pelada", pensei.
Estar bem acompanhada também.
Sentia todo meu corpo, a minha sintônia. Sem vergonha, me tocava. As gotas eram como gozo (risos). E eu ria boba. Minhas mãos me acariciavam. Estava completamente a vontade. O peito de tecido ainda não me satisfazia. Mas tocá-lo, me dava a possibilidade de imaginar como será quando fosse parte do meu corpo. Meu corpo era capaz de repetir Claudia Wonder: Sou mulher, mas também sou macho. Meu corpo pode ser livre, sou completamente dona dele, completamente responsável por suas ações.
E minhas mãos obdeciam com carinhos e apertos. Me masturbava comigo mesma.
Poderia sim ter bastante de egocentrismo nisso, se não fosse pelo gozo da vitória de estar bem sendo você mesma, o gozo de não ser normativa ou conservadora em se tocar.
Meu corpo nu na chuva, me dava a liberdade que pouco tinha com alguma pessoa. Intimidade. Isso me falta com muitas pessoas. Algumas, as palavras vem fácil, me apresento, me deixo nua sem vergonha, sem constrangimento. As mãos que provavam os seios e o pênis ao mesmo tempo, tinham um ritmo que contribuía para o movimento que todo o resto do corpo fazia, acompanhava os suspiros.
Depois, rispidamente parei. Voltei ao coberto, pensei de como eu, sozinha, sem as chaves da casa para trancá-la, pelada era quase um veado, do pior sentido do termo, um animal de caça. Um animal que sua vida é usada como diversão. Sua morte é divertida.
“Pois é, Virginia, você pode morrer. Pois é, você arrisca todo dia sua vida, sem nem falar que é comunista. Sem nem estar discutindo com algum trabalhador, sem nem se aproximar do objetivo estratégico que libertará todos nós dessa vida de miséria e opressão”.
O auge do gozo quase sempre se aproxima do auge de dormir. Polisipo, do grego, significa “Pausa na Dor”, era como o suicídio da sra Woolf ou seus livros. O alivio que vinha depois de uma crescente e desesperadora angustia. Podia sentir-me penetrando, eu gemia cada vez mais alto, em busca do gozo, do alivio, dos segundos que são o silêncio calmo e delicioso.
Me recompus, vesti apenas a calcinha e comecei a escrever o que acabara de se passar. A longa experiência de diversas sensações só poderia ter me levado a isso: a poesia.
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