domingo, 8 de maio de 2016

"Mais amor sem dúvida, por vontade...sem favor".


Despertava de um sonho que trazia em si as angustias que conscientemente não lhe davam palavras para procurar ajuda. Era parte, pelos seus hormônios que lhe pregavam peças, com desconfianças e inseguranças que encontravam provas em sorrisos, olhares ou vestígios secretos que sua mente produzia. Mas não era só os hormônios, eram seus peitos que cresciam lentamente provocando desconfiança se seus companheiros os reconheciam e por eles poderiam se interessar. Era à seco: a dúvida se à ela o amor só poderia ser apresentado como um favor, nunca um desejo ou um sentimento sincero. A noite anterior, havia reforçado estas ideias que não lhe fugiam a cabeça. Compartilhava carinho com um amigo-companheiro, dormiam juntos, amavam-se sem paixão de namorados, mas com o desejo de se verem bem. O toque provocava mais nela, do que nele, o desejo, o anseio de alcançar um gozo que já não produzia, graças as injeções quinzenais que escolhera não abrir mão. O gozo não viria, mas talvez se realizaria mais, se pudesse provocar nele esse "atropelamento" que deixava a cabeça muito lerda para acompanhar os suspiros e as contrações do corpo. Ele a tocava, depois parava. Beijá-a, depois parava. E nela, isso provocava a dúvida, senão a beijava para não ser mal educado ou desrespeitoso. Se todo o carinho não era preocupação de não deixá-la triste ou senão cedia um pouco, também por não ter ainda voltado aquela montanha-russa que com ela não poderia ter.

Levantou-se, organizou a cama e desceu as escadas tentando encontrar sentido nas angustias que escondia dele, para não levar a relação a outra dimensão ou duvidar dele à maneira de provocar chateamentos ou mais pena, caso fosse verdade. Sabia que apesar de não haver regras estabelecidas, ele era a melhor relação que ela já teve com um homem, ainda que não fosse uma relação amorosa. Ainda assim, havia amor. E disso ela jamais duvidava. Mas tinha sido pega na sua própria armadilha, de nunca ter se proposto a vê-lo com estes olhos, e pouco a pouco, percebia que ele era alguém fácil para se entregar. E que em muitos momentos gostaria que ele a procurasse pra isso. Permitia-se transformá-lo, ele em poesia, ela em poeta. Mas era mais expectativas que já conhecia, de um sentimento e uma busca que desconhecia. Terminou o café, e na primeira xícara reconheceu que até mesmo pra ela, tinha sido muito pó e pouco açúcar. Mas condizia com suas aflições. É sempre um pouco mais amargo, do que doce.

Voltou ao quarto, já que não havia um lugar sequer que quisesse ir hoje. Acendeu um cigarro vermelho, e pensou em escrever-lhe uma carta. Desistiu antes mesmo de lembrar-se onde estavam os papeis e uma caneta que funcionasse. Ele não poderia defender-se, então ou assumiria seu desamor ou encontraria um jeito de afastar-se. Ela, acostumada com a miséria das relações, buscava se manter independente e nos dias mais tristes, não lhe recorria, porque era pior aliviar-se de pena do que segurar seu coração acelerado e sua mente confusa contra as horas que não lhe traziam sono algum. Torturava-se em guardar neste aspecto um vidro que impedisse adentrar todas essas frustrações, que já estavam abalando o resto todo. Sabia, por experiência, que não se deve entregar-se sem garantir os pés presos ao chão e o coração com algumas reservas. Do contrário, a dependência custaria mais alguns meses até separar-se das ilusões que ela mesma criava. E mesmo sem querer reproduzir seus medos das relações passadas, eles a acompanhavam e não podiam deixá-la em paz.

Lembrava-se que dos homens conhecia apenas duas reações, dos que a desejavam tanto sexualmente que não tinham mais espaço para coragem de desenvolver qualquer relação afetiva, e dos que, assim como este que lhe segurava as mãos, beijava o pescoço e lhe fazia sentir-se humana, faltava-lhe o desejo. Sempre um sentimento incompleto, ou o corpo ou a alma, e ambos nunca se encontraram. Como era difícil sentir-se bem sendo quem lutou para ser. Pensava se mandá-lo embora, ajudaria em algo e não precisava de um minuto sequer para ver que não. Mas sentia-se num beco sem saída. Talvez, esquecer-se disso tudo e aguardar o momento em que ele, pela vida, a deixasse, seria agir de maneira mais segura. Preparar-se para isso, era o que talvez fosse o mais estratégico a ser feito. Talvez depois disso, novos amores impusessem à ela outras maneiras de ver. Mas à essa hipótese, ela não mais queria pensar. Sozinha na casa, poderia encontrar-se e buscar o prazer que a dois não encontrava. Mas não podia, e sabia disso, já não lhe restava libido próprio ou o medo de se machucar nesta busca, já tiravam-lhe este anseio. Até quando? A contradição que lhe atormentava, na vida, era que responder-se negando-se ou anulando-se já contradizia sua atividade militante. Não conseguia sorrir, por aquela tarde. Os castigos secretos que denunciava em outros artigos que escrevia, marcavam nela uma dor silenciosa, vergonhosa e que preferia esconder. Guardar este homem dos seus pensamentos, era novamente separar sua vida artificialmente, mas à ela, falava coragem para mais uma batalha.

Desceu as escadas e deitou-se no chão. Que a prosa lhe trouxesse paz, pediu. Não trouxe. Mas ao mesmo registrou seu grito aqui.

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