terça-feira, 19 de dezembro de 2017

sem cabimento

tem eles
que só de saber
que está me sarrando
de ver
de sentir
a parte de baixo
do teu sorriso branco
na boca preta
da lingua
que há pouco
me penetrava
ah
me
satisfaz

na busca de autenticidade
coloco-me por fora
me acham feia
por ser mulher trans
por ser trans
por ser eu
De fato

Mesmo defendendo que
Somos uma construção,
tijolo sob tijolo
que não caiu do céu
nem da fé
mas do peão
sou tão social, tão natural ou essencial
quanto se avançou
a sociedade
o teatro
e a tecnologia
tão social, tão natural ou essencial
quanto a rima
só me faço sentido
no mar de contradições
que afogam uma ideologia
em combate a outra

tem dias
que Imagino me arrancando a pele
O rosto todo
se já se corta
quero corta-lo todo
desaparecer para não ser vista
sei que um dia de xuxu
será um dia esquecido
um dia abafado
não vivido
não lembrado
não respeitado
pelo que me tornei

em ti
é tão fácil achar beleza
e deixar teu corpo se tornar perfeição
aqui
não há alivio,
nem descanso de encontrar
uma nova prisão

no fundo a inveja que tinha
daquele corpo daquele moço
daquela liberdade, daquela
tran-qui-li-da-de
de ser irresponsável sem temer
do conforto nu
hoje provoca ansia
nojo de submeter-me a miséria
ao conforto da migalha
se alguma coisa aprendi com aquele sorriso bobo
é que a felicidade precisa ser racional
nunca fui tão amada
como aprendi a amar a mim mesma
não por auto-suficiencia
mas por combate
cotidiano
no cambo de batalha
a guerra psicologica
não cabe capitalismo aqui
não cabe teu padrão aqui
não cabe tua ideologia aqui
não cabe tua insegurança aqui
não cabe tua fragilidade aqui
não cabe a mim ser vítima
somente cabe
uma tarefa
emancipar-nos

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