Virgínia Guitzel
Abril
Despertava de um sonho que trazia em si as angustias que conscientemente não lhe davam palavras para procurar ajuda. Era parte, pelos seus hormônios que lhe pregavam peças, com desconfianças e inseguranças que encontravam provas em sorrisos, olhares ou vestígios secretos que sua mente produzia. Mas não era só os hormônios, eram seus peitos que cresciam lentamente provocando desconfiança se seus companheiros os reconheciam e por eles poderiam se interessar. Era à seco: a dúvida se à ela o amor só poderia ser apresentado como um favor, nunca um desejo ou um sentimento sincero. A noite anterior, havia reforçado estas ideias que não lhe fugiam a cabeça. Compartilhava carinho com um amigo-companheiro, dormiam juntos, amavam-se sem paixão de namorados, mas com o desejo de se verem bem. O toque provocava mais nela, do que nele, o desejo, o anseio de alcançar um gozo que já não produzia, graças as injeções quinzenais que escolhera não abrir mão. O gozo não viria, mas talvez se realizaria mais, se pudesse provocar nele esse "atropelamento" que deixava a cabeça muito lerda para acompanhar os suspiros e as contrações do corpo. Ele a tocava, depois parava. Beijá-a, depois parava. E nela, isso provocava a dúvida, senão a beijava para não ser mal educado ou desrespeitoso. Se todo o carinho não era preocupação de não deixá-la triste ou senão cedia um pouco, também por não ter ainda voltado aquela montanha-russa que com ela não poderia ter.
Levantou-se, organizou a cama e desceu as escadas tentando encontrar sentido nas angustias que escondia dele, para não levar a relação a outra dimensão ou duvidar dele à maneira de provocar chateamentos ou mais pena, caso fosse verdade. Sabia que apesar de não haver regras estabelecidas, ele era a melhor relação que ela já teve com um homem, ainda que não fosse uma relação amorosa. Ainda assim, havia amor. E disso ela jamais duvidava. Mas tinha sido pega na sua própria armadilha, de nunca ter se proposto a vê-lo com estes olhos, e pouco a pouco, percebia que ele era alguém fácil para se entregar. E que em muitos momentos gostaria que ele a procurasse pra isso. Permitia-se transformá-lo, ele em poesia, ela em poeta. Mas era mais expectativas que já conhecia, de um sentimento e uma busca que desconhecia. Terminou o café, e na primeira xícara reconheceu que até mesmo pra ela, tinha sido muito pó e pouco açúcar. Mas condizia com suas aflições. É sempre um pouco mais amargo, do que doce.
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Voltou ao quarto, já que não havia um lugar sequer que quisesse ir hoje. Acendeu um cigarro vermelho, e pensou em escrever-lhe uma carta. Desistiu antes mesmo de lembrar-se onde estavam os papeis e uma caneta que funcionasse. Ele não poderia defender-se, então ou assumiria seu desamor ou encontraria um jeito de afastar-se. Ela, acostumada com a miséria das relações, buscava se manter independente e nos dias mais tristes, não lhe recorria, porque era pior aliviar-se de pena do que segurar seu coração acelerado e sua mente confusa contra as horas que não lhe traziam sono algum. Torturava-se em guardar neste aspecto um vidro que impedisse adentrar todas essas frustrações, que já estavam abalando o resto todo. Sabia, por experiência, que não se deve entregar-se sem garantir os pés presos ao chão e o coração com algumas reservas. Do contrário, a dependência custaria mais alguns meses até separar-se das ilusões que ela mesma criava. E mesmo sem querer reproduzir seus medos das relações passadas, eles a acompanhavam e não podiam deixá-la em paz.
Lembrava-se que dos homens conhecia apenas duas reações, dos que a desejavam tanto sexualmente que não tinham mais espaço para coragem de desenvolver qualquer relação afetiva, e dos que, assim como este que lhe segurava as mãos, beijava o pescoço e lhe fazia sentir-se humana, faltava-lhe o desejo. Sempre um sentimento incompleto, ou o corpo ou a alma, e ambos nunca se encontraram. Como era difícil sentir-se bem sendo quem lutou para ser. Pensava se mandá-lo embora, ajudaria em algo e não precisava de um minuto sequer para ver que não. Mas sentia-se num beco sem saída. Talvez, esquecer-se disso tudo e aguardar o momento em que ele, pela vida, a deixasse, seria agir de maneira mais segura. Preparar-se para isso, era o que talvez fosse o mais estratégico a ser feito. Talvez depois disso, novos amores impusessem à ela outras maneiras de ver. Mas à essa hipótese, ela não mais queria pensar. Sozinha na casa, poderia encontrar-se e buscar o prazer que a dois não encontrava. Mas não podia, e sabia disso, já não lhe restava libido próprio ou o medo de se machucar nesta busca, já tiravam-lhe este anseio. Até quando? A contradição que lhe atormentava, na vida, era que responder-se negando-se ou anulando-se já contradizia sua atividade militante. Não conseguia sorrir, por aquela tarde. Os castigos secretos que denunciava em outros artigos que escrevia, marcavam nela uma dor silenciosa, vergonhosa e que preferia esconder. Guardar este homem dos seus pensamentos, era novamente separar sua vida artificialmente, mas à ela, falava coragem para mais uma batalha.
Desceu as escadas e deitou-se no chão. Que a prosa lhe trouxesse paz, pediu. Não trouxe. Mas ao menos registrou seu grito aqui.
Maio
O dia todo esteve presente: sorriso, fumaça e este par de olhos que penetram assim como o conjunto do teu corpo o faz, em lugares fechados. Queria beijá-lo desde a hora que o encontrei. Dizem que é no beijo que se simboliza o amor, penso que tenho amado-o demais nesses dias, então. Essa vontade de estar junto sempre vem misturada com a vontade de ficarmos juntos. Mas como eu lhe disse à noite, o conheço, e o amo assim. Livre, passarinho, não se fez abrigo, aprendeu a ser caminho. Quero passar, então devagarinho. E por quanto puder trafegar, irei. Porque é pela maré imprevisível que te quis tão perto.
O anseio de estar junto, do beijo, produzia agonia com as idas e vindas. No fim, deitou-se atrás de mim. Que delicia senti-lo atrás de mim, com teu braço me entrelaçando e teu nariz na minha nuca. Respirava e soprava em mim um pouco do teu charme. Mas subitamente senti o desespero de que poderia ser minha aceitação da miséria, o que só se respondia pela necessidade de me impor para preservar o orgulho que custei a adquirir com os outros cortes que fiz no coração. Levantei-me, fumei um careta, mas o sono não brotava. Fumei então outro. Deitava novamente e esperava que o corpo pudesse provocar alguma mensagem. Ele dormia, não via nada e nem ouvia o que eu não dizia sobre me sentir. É que apesar dele me tratar como sua igual, não seriamos nunca iguais e por isso, sempre me sentia na gangorra presa a areia. Ele, alto como era, podia ver de longe o alvo que lhe pertencia. Eu estava feliz, que ele ainda estivesse brincando no parque comigo. Não conseguia permanecer deitada, e seu toque, era de carinho, mas me trazia tristeza. Então, que ele despertou e pois seu corpo à contar-me quanto gostava de mim. Brincava de me sufocar de sensações. E a dúvida punha a se desmanchar. Ele também queria estar ali.
...
Teus olhos, se fechados, me fazem um convite. Quero estar na tua mente, agora. Quando me olha, sem piscar, sinto uma deliciosa sensação como se me visse metade eu, metade quem eu quero ser. Tuas mãos grandes já me correm pelo corpo, me fazem respirar no ritmo que teu toque quer me conduzir nessa dança. Nossos corpos nus, dizem primeiro. Teu peito quente colado nas minhas costas me abraça, tão forte quanto nós gostamos de abraços, pelados. Teus lábios vão além. Me encostam com carinho, arranha os dentes, instiga meu corpo a transcender. Só contigo sinto que posso me deixar entregue sem deixar de ser dona de mim. Como você encaixa, me bagunça, me deixa incapaz de pensar! Então, diz. Depois que o corpo já provou, me diz o quanto não me quer magoada, que posso cobrá-lo, que não está comigo por acomodação. Alivia. Como quem prevê que as palavras trazem o complemento à melodia que nossos corpos sabem combinar.
Que bom é encontrar alguém assim pra dividir.
Junho
Dormiu e não acordou com o despertador. Eu levantei, evitando repetir o erro de me desorganizar na espera de que algumas horas amais pudessem reverter minha sede. Ele não é água, por vezes, não é também leite, nem algo que possa molhar a garganta. É ele próprio, a única coisa boa no mar de tanta insatisfação. Mas tampouco, ele também me satisfaz, porque ainda vivemos numa sociedade aprisionadora. Por mais romântica que eu seja ou otimista com seus lábios tão próximos, não cabe nele um peso tão grande dos castigos secretos destinados a mim. "Meu desespero ninguém vê, sou diplomado em matéria de sofrer", traduziu o alarme.
Caminho rumo ao trabalho, compulsório e insatisfatório, trago e solto a fumaça no ritmo do rap que me acompanha, sem me tornar menos só. Não choro, não me permito mais. Mas por dentro, é como se corresse um rio, onde só Woolf pôde se afogar e eu assisto, sem seu alívio. Mais um dia inútil, por certo, de um trabalho que exige bem-estar para manter todas as coisas como são. O problema é quanto mais se mantém, mais desesperador fica. A miséria que vejo nos meus pacientes é reflexo direto da sociedade que me empurra também a miséria. Me reconheço nas fugas, que não me permito, mas invejo. Muito longe de covardia, estes vivem a dor que sentem sem menos de transparecer. Sem refúgios, sem escolhas também.
Ainda sim, não resisto e sorrio quando ele está por perto, porque de repente, tão fora do costume e do meu contexto, quase saio de mim e desse reflexo do espelho, me sentindo eu mesma, carregando um corpo quase morto, mas com um sorriso bobo, apaixonado, de imaginar que um dia isso poderia ser diferente. E que ele, dessa vez, existe.
Se mistura tudo nesses dias, perde-se a coerência. Estou permanentemente doente, e já não me parece que vou melhorar. Penso então que daqui pra frente será isso, assim, permanentemente incompleta como consequência do que me fiz. Do que por conta própria, onde os castigos sociais são secretos e mascarados pelas instituições democráticas, causei aparentemente sozinha em mim. Minha sexualidade talvez tenha sido castrada por definitivo, e é um luto profundo da alma. Primeiro foi o orgasmo, depois minha relação com o pênis que cada vez menos me trazia conforto, ora pela imposição social, ora pela dificuldades de ereção. E agora o mais assustador, eram as dores e a ausência de desejo anal. É uma questão de tempo então, pra que este romance volte ao que pode realmente ser, apenas amizade. Retardo ao máximo, por covardia ou egoismo, mas não poderei evitar. Me atraso ao trabalho, perco a hora, penso e me dedico por vezes em excesso ou exagero, com a sensação do que se vaza as mãos. Meu corpo de só 23 anos já cansado e sem hormônios começa a se desfazer. Grita atoa porque a voz roca já não sai. Ou pior meu corpo volta a fazer-se no sentido contrário. Não sei se os hormônios que voltarão a produzir, negando-me, irão amenizar ou aprofundar as dores e minha disforia. Cada dia que passa fica mais difícil me sentir bem comigo mesma. Combato a beleza cisnormativa e a perseguição ideológica de me disfarçar de cis, mas isso não muda que meu corpo não me representa.
Ele não liga, diz ao menos. E isso importa muito, mas não ameniza por completo. Por vezes desconfio, se me deseja mesmo ou aprendeu a gostar. De alguma forma seu respeito, me afasta, porque parece menor a necessidade do meu corpo se adequar. Mas não é por ele, ou só por ele, agora. De alguma forma sua indiferença disto tranquiliza, porque não é indiferente com o que sinto. Mas por incompreensão, ao mesmo tempo que me deixa mais segura não me vê como objeto, mas por inteira, também me torna mais responsável pelas decisões que só eu posso tomar. Pela primeira vez, sou mais que sexo, que um buraco, escondido e envergonhado. É, de todos os muitos homens que já estive com - nunca junto! - o primeiro que talvez me veja com estes olhos, humaniza.
Parece estranho, assim quem olha de fora, que este contraponto da vida não satisfaça. Mas me amedronta, atropela e por vezes intimida a intimidade que lhe pertence. As mãos dadas, o beijo de cumprimento, o beijo na testa ou no pescoço espontâneo, a mão que aperta minha coxa e os olhos que me atravessam, transpassa rápido demais. Sua língua dança na minha boca, assim como suas mãos e dentes me fazem dançar nua na cama. Ele escolhe o ritmo e eu sempre me deixo levar, mesmo sem saber dançar. Ele ri baixinho enquanto me pergunta se estou bem no meu ouvido, enquanto minha respiração não volta ao normal e meu coração já não separa o corpo da mente, conecta de forma que neste momento eu já sou toda dele, ainda que nem eu, e nem ele, pertença a ninguém. Meu corpo encaixa de forma que não se mede sozinho por sua aparência, mas pelo ritmo que se entrosa e já parece ser uma mistura própria.
Por vezes ele me adverte. "Ficar contigo não é só beijo, quero ouvir você, conversar, passar tempo junto". Como se pudesse segurar meu desespero e a adaptação a miséria das relações, acostumada a ser sempre objeto. Então que tira a migalha da minha mão e joga aos pombos que lhes pertence e me quer por inteira, mesmo quando tenho me sentindo menos de um terço ou apenas um quinto de ser, devido a todo o resto do mundo, que ele é exceção. Me coloca em risco ao me dar outra meta mínima de relação, humaniza de forma a afastar-se de tudo que já vivi com homens. Sei que ele vai embora, mais cedo ou mais tarde volta, até quando eu não sei. Mas como nada é feito pra ser eterno, aproveito e agradeço a noite que passou. Sei que sem ele, volto de novo pro lugar de onde vim e quiseram por todo tempo me convencer que me convém.
Nas ruas, de dia, ele legalizou o toque, o beijo e o carinho. Um detalhe pequeno, discreto e quase invisível as pessoas cis, mas raro as pessoas como eu que raramente são vistas como pessoas. Ele foi o primeiro em 23 anos, que ao me ver, sorri e me beija, sem olhar pros cantos, medir as consequências e evitar ser reconhecido. Me deixa confortável, mas... é sempre uma insegurança de pra aonde isso me leva. Não quero me tornar dependente, por mim e por ele. Que ele não se torne paterno e nem eu sua, permitindo que cresçamos juntos sem nos dissolver. Mas cada dia mais, quero ele mais...e mais. Um anseio ilimitado de quero ao meu lado. Também porque já não encontro conforto em mais lugar algum.
Felicidade é sempre contraditória, porque a realidade joga a favor por algumas horas, mas também revela toda uma trajetória de solidão. E sei que preciso me manter consciente que mesmo com ele, sou sozinha. Trans, mulher, guerreira, por conta própria, mas também cheia de companhia na luta pela vitória dos nossos. A guerra não para e meu corpo segue como campo de batalha, por isso, os sorrisos me amolecem mas não me deixam esquecer, não permito.
...
Me disse, no breu, deitado ao meu lado, que sou jovem e tenho muito ainda pra viver. "Mas o mundo é uma bosta", ele sabe, eu sei, talvez não seja tão bom assim viver tanto. Mas ele é exceção, e sabe disso, num mundo podre que o romantismo não salva, machuca e por vezes fragiliza. E que ter uma visão alegre não pode colorir o que foi manchado de preto e branco.
Trago outro cigarro com a consciência de que me mato ainda mais. Noutra noite, ele dormia e eu acendia um segundo cigarro, não era apenas insônia, mas uma voz que me perseguia. Ele atrás de mim me abraçava e me esquentava num frio cortante. Uma das suas mãos seguravam a minha, e eu me esforçava para minha respiração e a leve tremedeira do choro não o acordassem. Pensei "Estou com medo de morrer", depois sentindo seu toque, que por vezes se mexia naturalmente, me ardia a alma. Eu que não acredito em religiões ou espiritualidade parecia crer que ele aparecia quando eu ja não tinha mais tempo. Não queria magoa-lo e pela primeira vez me sentia responsável por alguém assim, porque pela primeira vez tinha certeza que ele tinha sentimentos por mim. Não poderia acorda-lo para mais uma notícia ruim. Minha cabeça girava, eram os dois cigarros seguidos, mas o sono estava ainda longe. Não saia da minha cabeça que seguir vivendo assim, era melhor afasta-lo o quanto antes. Que egoísmo te-lo amenizando todo o mundo enquanto me trazia uma brisa de felicidade. Não queria ficar só, tampouco deixa-lo consciente. Que dor! Que rasgo no peito, me tirava o ar. Virei-me e deitei em seu peito. Que alívio me trazia abraça -lo e poder ouvir seu coração junto a sua respiração serena, adormeci.
Pela manhã, ele me disse que teve como um pesadelo, um sentimento ruim, agonia, desespero. Não respondi. Beijou-me e brincou de me deixar sem ar enquanto beijava meu pescoço e roçava sua barba em mim. Ele me tira de mim. E me traz ao mesmo tempo num êxtase de ser livre, mesmo que doente. Olhei pro teu lábio, porque tudo que diz ou beija é amor que sinto. Não disse "Eu te amo", apesar dele saber que sim, desde antes de estarmos juntos assim. Mas não disse porque seria vazio, não se trata de um amor romântico, mas do companheiro que admiro e me faz anoitecer, independente da noite que seja.
Julho
Deito, tentando me afastar um pouco dos pensamentos que outrora teria de encarar. Tomar a decisão mais difícil, que necessitava uma compreensão muito maior sobre meus limites e onde estou disposta a ir. Cobri a cabeça com o cobertor, e fui apagando. Ele subiu, entrou no meu quarto sorrindo, chamou meu nome uma vez. Não respondi. Chamou de novo e sentava do meu lado, queria que eu descesse pra almoçar. Eu ainda acordando, mais do que descer ou mesmo continuar dormindo, queria ele. Me abraçou, e eu o apertei. Sua língua me ajudava a acordar com um sorriso. Ele em cima de mim, já despertava meu corpo que o queria de maneira crescente. Ele sabia, e continuava a me provocar. Ele então esticou seus braços para tirar a blusa junto com a camiseta. Eu beijava então seu peito magro e mordia sua barriga. Enquanto abaixava sua calça. Descia mais, e ele sorria então. Ia lambendo-o e já com ele dentro da minha boca, repetia o movimento. Ele respirava enquanto tocava meu cabelo com a ponta dos dedos. Ele ficou em pé, e suas pernas entre mim, me faziam quere-lo ainda mais. Ele sussurrou que "não ia aguentar" e eu acelerava os movimentos, enquanto minha mão passava por seus pelos claros da perna. Ele com as mãos na parede suspirava ainda mais. Até que suas pernas tremeram e seu corpo precisou apoiar-se na parede para não cair. Eu continuei, sabendo o que lhe provocava. O gosto dele, da sua pele, do seu pau, do gozo me agradavam tanto quanto a sensação dele estar com a respiração acelerada, atropelada.
A noite ele foi ficando, e teu sono me acalmava tanto quanto deitar no seu peito. Eu queria ele ali, assim, tranquilo e sem pressa.
...
Outro dia ele voltou à tarde. E eu já não sentia mais as dores. Ele apertava minhas coxas e provocava uma leve cocega que me arrepiava. Eu queria ele dentro de mim, e ele queria entrar também. Beijou minhas costas descendo cada vez mais, enquanto suas mãos acompanhavam meu movimento de se contorcer. Ele vinha no meu pescoço porque sabia que assim eu entregava qualquer resistência. Então, que ele sem perder o ritmo, me disse que era pra avisá-lo caso as dores voltassem. Então, segurou minhas mãos enquanto encostava sua barriga nas minhas costas e entrava em mim, pouco a pouco, até estar completamente. Então, que me penetrava e minha mão no seu pescoço não queria deixá-lo sair. Ele repetia o movimento, acelerando conforme minha respiração. Ele sorria e respirava fundo, enquanto eu e ele iamos nos fundindo no corpo, na alma, na dança. Ele apertava meu corpo e me enlouquecia cada vez que parecia sair e logo estava por completo dentro de mim. Meu corpo não encontrava ali questionamento algum, apenas respondia ao seu encontro e se excitava cada vez mais. Pouco a pouco, passavamos da cama ao chão, e não conseguiamos nos desligar. Ele e eu já haviamos ido neste lugar, mas ele dizia no meu ouvido com a voz tremida "não consigo sair de você", eu pedi baixinho "não sai..." e ele me puxou de volta pra cama e me abraçava, ainda dentro de mim. Os quase dois meses sem hormônio e o jeito que ele me faz sentir o mundo inteiro daqueles minutos dentro de mim, trouxeram de volta o grito sem controle do gozo. Ele atrás de mim, sorriu e eu sei porque sorri também ainda conectada. Ele beijou meu pescoço, e minhas mãos passam por suas pernas que me entrelaçavam, não como quem aprisiona, mas é parte já.
...
Naquela noite, ele voltou. Nossos corpos não queriam estar longes. e de novo ele estava dentro de mim. A noite toda, ele se manteve assim, e eu o acompanhava sem conseguir falar pela respiração que nunca estabilizava. Ele então conversava comigo, entre uma foda e outra, e eu lhe contei do que me provocava. Ele não só entendia, dizia sobre si. Disse que já o amava antes e que agora não encontrava palavras, ele disse que eu era sua melhor amiga. Era poesia, sem que eu me tornasse distante como poeta. Era ele desta vez, que me incluia na rima e dizia com palavras, língua, barriga e mãos que estava ali e que pretendia voltar mais vezes. Ele me queria livre, mas sem me deixar. Dessa vez não precisou me pedir calma, porque eu estava de alguma forma deixando o desespero tão meu do quarto pra fora. Ali, sob a cama, estava uma certeza, talvez a única, durava mais que o durante, o momento efêmero, era mais que amor. Era algo ainda que não encontraria palavras, nem tempo pra descrever. Na poesia, seria o ritmo, a essência que une o conjunto da proza, que se mantém como segredo que só aparece, quando se lê em voz alta.
Nesse mês, ele então disse que estávamos namorando. Eu ri. Ri dando espaço ao sorriso e a felicidade que não cabia dentro do peito. Queria-o e tinha-o. Na mesma medida que ele me tinha e me queria, como Virgínia, trans, sua amiga e namorada.