sábado, 30 de abril de 2016

Vamos falar do tesão sobre as travestis?

O Brasil conhecido como país que bate recordes de assassinatos de pessoas trans pelo mundo, chegou a ter dois homicídios por transfobia - ódio e aversão a pessoas não-cisgenêras - por dia durante o mês de janeiro desse ano. É também, não contraditoriamente, o país onde mais se busca pornografia com pessoas trans. Se pra alguns isto deveria ser um contradição, me explico: a maioria dos casos de homocidio contra travestis e mulheres trans ocorrem após sexo ou o interesse inconformado da atração física. Isto é, a maioria das travestis obrigadas a entregar seus corpos e realizar sexo para sobreviver, sobrevivem pouco a transfobia internalizada de seus "clientes" e flertes. Seja no "momento da descoberta" ou como ação de repulsa após o gozo, tão marginalizado e repugnante aos olhos da moral burguesa. O que evidencia que o desejo "do sexo proibido" e a vergonha pública de se relacionar com pessoas trans - como foi escancarado por diversos jogadores de futebol e outros casos que ganharam atenção da midia por "envolvimento de homens famosos" com travestis e transexuais - se combinam sob a ordem da repressão sexual e a humilhação das identidades trans, a forma obscura dos "castigos secretos" - para usar o termo de Karl Marx em "Sobre o suicídio" - das penúrias e atrocidades que as instituições "democráticas", a igreja e a família produzem contra a vida humana, e dos LGBT em particular.

O Brasil ao sediar a Copa do Mundo em 2014 expôs internacionalmente como é visto: o país do "sexo exótico", dos corpos objetos e do grande tráfico internacional de mulheres e crianças para fins sexual. A realidade é que a prostituição é, na maioria dos casos, um destino involuntário das mulheres trans e travestis. Sendo de algumas como forma de sobrevivência, outras como " modo de vida " imposto, isto é, ainda que não realizem sexo por dinheiro, somos constantemente tratadas e reconhecidas desta forma, involuntariamente.

Se por um lado, o alto índice de procura nos canais virtuais de pornografia comprova que a profunda miséria das relações afetivas, a qual cada vez mais surgem denuncias como esta e esta , não são resultados de uma " natural faltando interesse " ou "desejo minoritário". Comprova-se a tese que a profunda miséria sexual da sociedade burguesa, a qual reprime os extintos naturais da busca pelo prazer, reduzindo e encaixando o sexo à moralista concepção de família burguesa. 
Por outro lado, evidenciam que não é verdade que aos homens cis e heterossexuais está garantido o prazer sexual, uma vez que parte destes sentem-se atraidos por pessoas trans e por isso são reprimidos em seus desejos, recorrendo ao comércio "ilegal" da prostituição e do sexo pago. Aos demais homens há garantido um sexo limitado para a vida pública, enquanto seguem com o corpo limitado ao prazer à genitália para conservar o frágil conceito de heterossexualidade absoluta. 

Obviamente os companheiros de pessoas trans sofrem apenas um respingo que atinge em cheio o peito e a mente das pessoas trans. Enquanto não se falam sobre o pau das travestis, o prazer anal ou mesmo a busca por um sexo questionador e subversivo contra a ordem vigente. As travestis assim como as mulheres cis tem o direito ao prazer negado, onde as mulheres lésbicas não tem sequer reconhecido sua prática sexual, uma vez que a normatização do sexo heteronormativo não concebe a ideia de sexo sem pênis ou sem penetração. Somos os corpo assim como as sexualidade destinadas meramente ao prazer e ao tesão do homem.

Por trás dos suicídios e do transfeminicidio esconde-se os mais variados "castigos secretos" orquestrados pela sociedade burguesa, sem piedade alguma. Os mesquinhos e indiferentes encontram responsabilidades individuais para justificar tais atrocidades, ignorando propositalmente o descaso da ciência burguesa ausente na saúde e na atenção à população transgênera, as burocráticas leis deste Estado - instrumento de opressão da burguesia sob o conjunto das demais classes sociais - e regras para garantir direitos básicos elementares como ao reconhecimento da identidade, do nome e do gênero das travestis, homens e mulheres trans. A educação padronizada que se recusa cada vez mais incluir os debates sobre homo-lesbo-transfobia, escondendo StoneWall e todas as lutas e rebeliões LGBT existentes da história. A ideologia religiosa e conservadora que se dissemina nos programas televisivos, nas rádios e nas demais meios de comunicação que se transformam em dialeto nas filas de ônibus, nos olhares inquisitoriais e nas risadas cotidianas que perseguem as identidades que se recusam a obedecer as normas binárias e domesticadas ao capitalismo. A perseguição por grupos de extermínio, a ação da polícia cotidiana nos pontos de prostituição, a culpa induzida pela igreja, da família e da moral conservadora são só alguns dos elementos que denunciamos evidenciando a responsabilidade do Estado e da burguesia para o sangue e as mortes de LGBT.  

A miséria sexual produto da repressão sexual ideológica, institucional e dos castigos secretos se mantém sob a ordem burguesa estabelecida sobre vida pública. O lado contrário da mesma moeda guarda a hipocrisia dos direitos da vida privada, onde teoricamente "tudo se pode", só pode se concretizar para um punhado de parasitas capitalistas, onde novamente a economia, sua condição de classe, é determinante para quem adquiri o direito garantido a todos, pelas letras mortas das constituições em todo o mundo. Esse direito de poucos só podem existir sob o custo da exploração e opressão de centenas de milhares de LGBT, mulheres e pessoas que se relacionam com pessoas trans.

Por isso é urgente falar contra as tentativas permanentes de manter as pessoas trans e sua vida como um gueto obscuro. Quando falamos sobre o tesão sobre as travestis, falamos do fetiche criado diretamente por estas estruturas, resultando num sexo pragmático, com apenas um único sujeito "merecedor de orgasmos" a partir de uma limitada liberdade dos corpos cisgeneros. Esse fetiche, não atoa como explicamos, não é produto de uma ignorância ou ideologia avulsa, mas baseada nas condições objetivas da estimativa de 90% das identidades trans estarem afogadas no submundo da prostituição, da marginalização e do altíssimos índices de suicídio. Enquanto houver capitalismo, a submissão e a dor de milhares de nós seguirá transformando-se em furia, até que o ódio encontre vazão numa estratégia aliada a classe trabalhadora, a única classe verdadeiramente revolucionária capaz de paralisar a produção e colocar sua força em enfrentamento à burguesia e sua moral, tão alheia aos interesses da emancipação humana, sexual e identitária.

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