sexta-feira, 29 de abril de 2016

Vamos falar sobre o pau das travestis?

O pau das travestis é aquele tabu que ronda o moralismo da sociedade burguesa. Se criaram conceitos de passibilidade para nomear as pessoas trans que "conseguem" se "passar" por pessoas cis, isto é, "pessoas normais" segundo as leis burguesas de bons costumes. É também notório que tenham transformado além da identidade de gênero não cisnormativa, mas também os corpos destas pessoas em vergonha. Não a toa, para além dos altíssimos riscos da harmonização sem acompanhamento médico, as auto mutilações devido as opressões e não aceitação do corpo e/ou da genitália, e a utilização de métodos semi-suicidas como o silicone industrial como formas acessíveis para centenas de travestis e transexuais transformarem seus corpos, há um altíssimo nível de doenças e sofrimentos provocados pela vergonha de procurar qualquer serviço de saúde, por certo, porque a medicina capitalista, como denuncie outras vezes  não está a serviço da saúde humana e das suas variadas especificidades, mas da lucrativa indústria farmacêutica, sem falar dos convênios médicos.

Por isso, falar do pau das travestis é importante. Se é assim questionar esse tabu e o silêncio em torno da saúde e do pau das travestis encontraremos barreiras importantes, porque algumas correntes biologeticistas e deterministas do feminismo, como o é a vertente "radical", vão igualar o pau das travestis ao dos homens cis, unicamente com o argumento que ambos tem esta mesma genitália. Vão dizer que as travestis e transexuais não são mulheres ou pessoas não binárias, mas sim homem - pasmem! - e porque? Por conta do seu pau. Há vertentes reacionárias que chegam ao ponto de dizer que isso garante privilégios! Potencial estuprador! Relação de poder! A estas feministas, tudo se resume ao falocentrismo da sociedade patriarcal, que não diferencia gênero, identidade de gênero, nem as formas de dominação mais aperfeiçoadas pelo sistema capitalista que busca avançar no controle sob dos corpos e as idealizações e imaginações que podemos desenvolver para nossas identidades. 

Para essas feministas cis (!) a sociedade se divide em classes estabelecidas geneticamente e justamente pelos corpos é que se organiza a sociedade e suas relações de poder. O que não se sustenta, nem por um segundo, ao olharmos rapidamente para alguns importantes lideres políticos como Obama - homem negro - ou Dilma - mulher cisgênera - e perceber que independente de sua opressão, são representantes autênticos da burguesia e de seus interesses. Mas podemos abordar também de outro angulo, podemos ver que as mulheres trans após cirurgia não adquirem privilégios! ou mudam sua condição de opressão simplesmente pela alteração física de seus corpos. 

Enfim, enfrentado estes obstáculos, o que dizer sobre o pau das travestis? Em primeiro lugar, que esta parte de nosso corpo não determina nossa identidade, tampouco, nossa existência. Muito diferente dos homens cis, o pau das travestis, mesmo das que se orgulham e se puderem irão exibi-lo pelo mundo afora, não pode carregar consigo a soberania masculina que o patriarcado garante aos homens, pois não tem atrás de si, um aparelho Estatal, as leis e a polícia como mantedora desta ordem. Senão o é óbvio, expliquemos: atrás deste pau, há uma pessoa não binária ou mulher trans que vive marginalizada de direitos civis essenciais e recursos básicos de saúde, educação e emprego. Não a toa, muito pelo contrário de salários maiores do que os das mulheres cis, as pessoas trans não tem emprego formal, tendo 90% a prostituição como forma de sobrevivência.  Não concluímos os estudos, não estamos nos livros didáticos e não temos direito a nossa identidade reconhecida pelo Estado. Ou seja, a sociedade e o Estado como materialização da força de uma classe social não está a legitimar nossos corpos ou identidades, justamente o contrário, está para reprimir-nos.

Mas o que quero tratar de discutir são as profundas dores e sequelas de não se discutir sobre o pau das travestis. Sabe-se que a busca por urologista pelas travestis é raríssima. Muitas de nós, apesar de não rejeitar sua genitália, sente o gosto de "não poder ser" por inteira. A comum doença de infecção urinária pela insegurança de frequentar banheiros públicos é um dos sintomas dessas condições de opressão. Seja nas relações amorosas, onde os companheiros ignoram essa parte do nosso corpo. Seja nos hospitais e demais serviços médicos, onde não levam em conta nossa harmonização e nosso corpo não cisnormativo. Seja na família, onde a negação da nossa genitália é uma das vias de na infância tentar se auto afirma num gênero. É urgente então dar voz aos corpos em transição - e transição não significa partir da perspectiva de quem cruza uma ponte, onde o objetivo  determinado é chegar no lado oposto. Mas sim, da transformação da vida, da sua existência e do pertencimento do mundo cis, para o submundo trans e seus "castigos secretos".

Menos conclusivo, e mais propositivo a uma reflexão tão distante do cotidiano da maioria das pessoas, é tempo de abrir uma discussão sobre a importância da saúde e do desenvolvimento da sexualidade das pessoas trans em combate a compulsória submissão. É tempo de combater o capitalismo, defendendo uma nova ideia sobre os corpos e as condições materiais necessárias que reivindicamos para emancipar os corpos, como primeiro passo para garantir a emancipação das identidades. Onde as cirurgias sejam por uma opção, sem o alto risco da perda do orgasmo e da longa fila de espera (quase 200 anos!).

Vamos falar sobre o pau das travestis? Os corpos que gritam, mas não são ouvidos. Morrem, de abandono dos que nunca conheceram está historia.

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